Família, filhos, problemas domésticos para resolver... Sim, muitas profissionais que trabalham na Polícia Federal e atuam para que a lei e a justiça prevaleçam em nosso país também têm de lidar com essas questões no dia a dia. No mês das mulheres, o SINDPOLF/SP entrevistou três policiais federais que falaram da paixão pelo trabalho e dos desafios de conciliar as exigências de suas carreiras com a vida pessoal. Vale a pena conhecer a história delas.  

(Foto: Arquivo Pessoal) Sandra Omura começou a carreira na Polícia Militar de Alagoas e depois ingressou na Policial Federal

 

“Trabalhei 19 anos na Polícia Federal e seis anos como Policial Militar, em Alagoas. Fui Soldado, Cabo, entrei no curso de Sargento, mas logo saí porque fui chamada para a Polícia Federal. Na PM era do Pelotão Águia de Transito, que se deslocava de motocicleta. Aprendi a andar de moto na cidade onde nasci, Olivença, no sertão de Alagoas. Na PM, comentei sobre isso.  Não sei como, essa historia chegou ao comandante da Polícia, na época, o Coronel Rocha. E ele queria colocar um núcleo feminino. Então, nós aprendemos direção defensiva por três meses e outras coisas voltadas para o trânsito e fomos trabalhar de moto na rua por um ano. 

Na minha infância, o que eu queria mesmo era ser Kate Mahoney (protagonista da série americana Dama de Ouro, uma policial durona que fez muito sucesso no Brasil, na década de 80). Assisti muito essa série quando menina. Mas também fui fã da Lara Croft porque sempre fui aventureira e gostei de ação. Em casa, nós vivíamos brincando de polícia e ladrão. Mas tem também uma questão familiar que acho que influenciou: venho de uma família de policiais militares. Tenho irmão, tios, tias, primos na corporação e acabei seguindo a carreira.

(Foto: Arquivo Pessoal) Sandra na Academia Nacional de Polícia

Fui para a Polícia Federal porque queria ganhar melhor e me tornei a quinta colocada no curso de APF, na academia. Assim que entrei pedi para ir para Entorpecentes, em Salvador, na Bahia, minha primeira lotação. Fiquei lá cerca de um ano e meio e depois houve um rodízio em todas as delegacias. No final, apareceu a possibilidade de optar para onde queríamos ir e fui para o Setor de Planejamento Operacional. A gente cumpria mandados de prisão, entregava intimações, fazia escolta de presos. Trabalhei por um bom tempo até que fui enviada para a área de imigração do Aeroporto e lá fiquei até engravidar.  Voltei para a sede e comecei a trabalhar no Setor de Estrangeiros até que pedi para ser removida para São Paulo porque meu ex-marido era daqui. 

Como cheguei grávida fui lotada no RH. Logo após, me enviaram para o Setor de Passaportes, em Alphaville, Barueri, onde fiquei um ano e voltei para trabalhar na Corregedoria e, depois, plantão até me aposentar. Foram 25 anos de trabalho. Durante esse tempo, ficava muito frustrada e indignada com histórias, principalmente de meninas, que aceitavam trabalhar em algum país estrangeiro e, de repente, descobriam que era prostituição. Mas me surpreendi também com senhorinhas que ficavam sentadinhas na porta da casa delas, vendendo doce e, depois, descobríamos que elas ofereciam maconha também.

Após engravidar, decidi sai da rua. Deixava as meninas na escola de manhã e pegava à noite. Nossa convivência era maior no final de semana. Há cerca de três anos me aposentei e tenho o privilégio de conseguir tempo para acompanhar mais minhas três filhas que têm 14, 16 e 17 anos. Não acredito que o fato de ser mulher tenha atrapalhado meu trabalho. Sempre busquei e tive meu espaço. Mas as pessoas sempre reagem com surpresa quando falo da minha profissão porque tenho 1,60 m de altura e muitos têm a ideia de que mulher policial precisa ser grandona, ter aspecto masculino.

Lembro que logo que entrei na PM, devia ter uns 20 anos, estávamos na rua eu e uma amiga, em dupla, no centro de Maceió, e passou uma turma de turistas que parou na minha frente e quis tirar foto comigo. As senhoras pegavam no meu rosto e: “Diziam parece uma bonequinha...”  E eu ali, sem saber o que fazer. Sempre ouvi: “Nossa, você não tem cara de policial”. Que bom. Policial não precisa ter cara.

Sempre amei minha profissão e nunca mais fiz concursos porque cheguei onde queria. Mas é fato que depois que a gente tem filhos, começa a dar um pouco de medo. Tenho plena consciência que, antes do nascimento das meninas, era mais Kate Mahoney, sim.”

(Sandra Omura, 47 anos, divorciada, Agente de Policia Federal, aposentada desde 2015 e diretora Social do SINDPOLF/SP)

 

(Foto: Arquivo Pessoal) Luciana Machado Costa foi premiada ano passado após criar técnica que identificou digital de um dedo já mumificado

“Quando tinha 27 anos senti necessidade de corrigir a carreira e buscar um emprego mais estável, que  pudesse suprir minhas necessidades financeiras e de realização pessoal. Como sou Farmacêutica Bioquímica e Industrial não queria escolher um concurso que saísse da minha área. Assim, em 2003 fui buscar as alternativas de concurso na minha área. Já sabia que haviam farmacêuticos na Polícia Federal,  principalmente na área de perito criminal. O de papiloscopista me chamou atenção. E na prova caíram muitas coisas que eram a minha área de formação, bem voltada para química e biologia.

Também sempre gostei de esportes e era um pouco durona. Ser policial nunca foi problema para mim. Ao contrário, sempre admirei muito a carreira. E fui apaixonada por química, laboratórios, me identificava com investigação. Aliás, sou super fã de séries que mostram casos reais solucionados através de provas como impressões digitais. É bem o que faço no dia a dia.

Hoje sou coordenadora do laboratório de impressões digitais da Superintendência de Minas Gerais, em Belo Horizonte. E também coordeno uma sessão onde recebo alunos de universidades para fazer estágios curriculares comigo na área de química e ciências forenses. Essa troca é muito positiva, resulta em uma energia renovadora e de interação com esses alunos. É como se fosse uma válvula motriz que me alimenta e faz sempre estar motivada em busca de novos desafios, descobertas e aplicações.

Luciana em ação, colhendo provas que irão para o laboratório

Quando não estou no serviço é uma loucura completa. Tenho dois filhos, Ricardo (com quase 7 anos) e Laura (de 9 anos). Meu marido é piloto de avião, só está em casa oito dias por mês e tenho que cuidar de tudo. Faço o melhor que posso, mas a rotina diária é uma loucura e quando estou de sobreaviso, que é um plantão de 24 horas, fica mais complexo ainda. Não tem como eu dar nenhuma assistência em casa. Preciso contar com apoio de pessoas que, muitas vezes, nem são parentes porque sou de Sete Lagoas e meus pais residem lá até hoje. É uma vida muito difícil, caótica. Já passei muito perrengue com babás que não apareciam para trabalhar.

O caso que mais me marcou foi aquele em que recebi um dedo decepado encontrado em um caixa eletrônico após tentativa de furto. Ele chegou ao laboratório já mumificado. Mesmo assim, conseguimos recuperar as digitais (leia aqui matéria completa sobre esse caso).  Colhi muitos frutos positivos após esse desafio e só tenho a agradecer por ter caído em minhas mãos.

O fato de ser mulher atrapalha somente na questão do tempo para conciliar a vida profissional com a pessoal. Como meu marido passa a maior parte do tempo viajando, tenho que abraçar quase a totalidade das obrigações domésticas: levar e buscar as crianças na escola, fazer compras, administrar casa e funcionária, fazer pagamentos. Confesso que às vezes fica um pouco pesado. Mas tenho conseguido manter as expectativas e trabalhar como qualquer outro colega.

Me sinto realizada com a minha carreira,  mas ser papiloscopista nunca foi fácil. Enfrentamos diversas dificuldades principalmente em relação aos interesses de outras categorias que tentam diminuir nossas atribuições e a importância do nosso trabalho. Entretanto aprendi a lidar com essas adversidades e focar nos resultados para obter realização profissional e pessoal.

Acredito que a Polícia Federal deveria valorizar mais os cargos dos agentes, escrivães e papiloscopistas. Somos a válvula motriz da PF, os responsáveis por produzir provas e todo material utilizado nas investigações policiais. Apesar das dificuldades enfrentadas ainda assim posso dizer que meu trabalho na Polícia Federal significa tudo para mim. Tenho muito orgulho de ser papiloscopista, me esforço para prestar um trabalho de qualidade e ajudar a sociedade no combate ao crime.” 

(Luciana Machado Costa, 42 anos, casada, papiloscopista e coordenadora do laboratório de impressões digitais da Superintendência de Minas Gerais, em Belo Horizonte)

 

(Foto: Arquivo Pessoal) Susanna Do Val Moore: vocação para ser Agente da Polícia Federal

“Entrei na Polícia Federal em 2008 e acho que foi por questão de vocação, mesmo. Meu pai foi da marinha britânica. Quando eu nasci ele já tinha pedido baixa, mas havia muitas fotos dele nas missões, roupas, objetos. E ele sempre nos contava sobre aquelas em que havia participado. Eu era menininha e ouvia tudo atentamente. Mas ele não me estimulou a entrar na PF porque achava perigoso, ainda mais para mulheres. As outras pessoas da minha família me questionavam, mas depois se acostumaram. 

Eu me formei em direito e cheguei  a advogar por pouco mais de um ano e depois, por cerca de dois anos e meio, trabalhei no Tribunal de Justiça. Já tinha até passado no concurso e o salário no TJ equivalia ao que ganharia como Agente. De modo geral, minha carreira foi o que imaginei,  talvez por já conhecer algumas pessoas que trabalhavam na PF já tinha uma boa noção de como seria.  

(Foto: Arquivo Pessoal) Susanna (ao lado do carro, no centro) em ação

Fui lotada inicialmente Bagé (RS) e fiquei na imigração. Depois passei um tempo em Porto Alegre, fazendo a parte de análise e campo. Em seguida vim para São Paulo e trabalhei na Deleprev,  delegacia que combate crimes previdenciários e depois para o Setor de Planejamento Operacional. Logo após fui para o NSD,  Núcleo de Segurança de Dignatários, que acompanha autoridades em visita ao Brasil. Estive um tempo na Interpol, fazendo investigações  e voltei para a NSD. Trabalhar com autoridades pode ser mais difícil dependendo do país que a pessoa vem, se é alvo de algum grupo. Pode ficar mais complicado por conta do risco que ela já corre. 

Meu meu pai falava muito em inglês comigo quando era pequena e me dediquei para aprender mais o idioma quando cresci. E acho que isso me ajudou muito em algumas dessas áreas. Minha profissão tem sido o que imaginei.  Estou feliz fazendo o que faço e até hoje sempre preferi ficar nas áreas policiais. É o que me dá mais prazer. 

Mas não é fácil conciliar vida profissional e pessoal. As pessoas não entendem muito nossos horários. A gente nunca tem um planejamento muito certo. Às vezes deixamos de lado compromissos familiares e sabemos que fica difícil para quem é de fora nos entender. Mas a maioria dos colegas passa por isso pelo que comentam."

(Susanna do Val Moore, 37 anos, solteira, Agente da Polícia Federal)

 

 

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